sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Comédia ou Tragédia?

Narrador: Tróia destruída, os gregos matam todos os habitantes do sexo masculino, homens, rapazes ou meninos. Restam, apenas, algumas mulheres: as troianas. O coro recorda:




Coro ( vozes alternadas)

Era ontem.

O nosso último dia de ventura

Foi para Tróia o começo da morte.

Do alto das muralhas, nessa manhã,

Vi a praia e o mar

Desertos a perder de vista:

A frota tinha desaparecido.

Só no meio da planície, havia um grande cavalo de madeira

Com arreios de ouro cintilante.

Todo o povo troiano, em pé sobre a rocha da cidadela,

Gritava: “ A guerra acabou, foram-se embora;

- os gregos levantaram o cerco

- acabaram os nossos sofrimentos:

Colocai o ídolo de madeira na nossa Acrópole!

Consagrá-lo-emos a Pala Atena;

A nobre filha de Zeus

Que nos perdoou.”

Toda a gente gritava nas ruas.

Os velhos e as virgens,

Nas ombreiras das portas,

Perguntavam: “ Que aconteceu?”

E nós respondíamos: È a paz.”

Ataram-se cordas ao ídolo

Para o içar até ao templo de Atena.

Eu ajudei como todos.

Empurrei, puxei, esforcei-me.

O trabalho acabou ao fim do dia,

E toda a noite cantámos vitória

Ao som de flautas lídias,

E depois, uma a uma se apagaram,

Nas casas, as candeias brilhantes,

E as tochas fumegantes nas ruas.

Nós esgotados pela alegria,

Cantávamos ainda no escuro,

Em voz baixa: a paz! A paz!

Assim acabou o último dia de Tróia,

O nosso último dia de ventura!(…)



Narrador:

As mulheres troianas, entre elas a rainha Hécuba, profetisa semi-louca Cassandra e a princesa, Andrómaca, com o seu filhinho de peito, encontram-se reunidas, à espera de serem distribuídas como escravas pelos reis gregos, vencedores.

Um mensageiro, Taltíbio, é enviado a Andrómaca para lhe arrancar o filho, que os gregos não querem deixar vivo.:



(…)

Taltíbio ( vai junto de Andrómaca)

-Não me odeies.

Andrómaca:

-Porquê?

Taltíbio :

-Sou apenas um mensageiro.

Comunico-te, contrariado,

A nova decisão dos meus senhores.

Andrómaca:

-Sê claro.

Parece que tens medo de falar.

Taltíbio:

-O teu filho …

Andrómaca

-Separam-nos?

Taltíbio:

-Sim, de certa maneira…

Andrómaca:

Não teremos o mesmo senhor?

Taltíbio:

-Ele não terá senhor.

Andrómaca:

-Abandoná-lo-eis aqui?

Taltíbio:

-Queria preparar-te.

Andrómaca:

-Não quero saber dos teus escrúpulos.

Vamos, servo, despacha-te

Taltíbio:

-Vão matá-lo.

(Silêncio. Andrómaca aperta o filho contra ela e olha-o.

continua precipitadamente):

-Foi Ulisses

Disse diante da Assembleia dos Gregos:

“ Se deixarmos viver o príncipe herdeiro de Tróia,

O filho do poderoso Heitor,

Preparamos grandes trabalhos.”

A Assembleia deu-lhe razão (pausa)

Não o apertes tanto.

Dá-mo

(Ela resiste e afasta-se)

- Vá! Dá-mo.

Que podes tu fazer?

A tua cidade e o teu marido desapareceram.

Estás em nosso poder.

Será preciso que eu to arranque?

Julgas que o exército grego não é capaz

De vencer uma mulher?

Inclina-te perante as ordens,

Sê digna na desgraça.

Que será preciso fazer, ó deuses,

Para que nos dês o teu filho?

Ouve: não atraias sobre ti o ódio

Ou – quem sabe? – a vergonha.

Se irritas os militares,

Abandonarão o cadáver do teu filho aos abutres.

Se fores dócil,

Talvez te permitam enterrá-lo

E os nossos generais talvez te considerem

Com um olhar benévolo.

Andrómaca (aos soldados):

- Não lhe toqueis! Eu já o entrego

(os soldados afastam-se sem a perderem de vista)

Meu pequenino

Vais deixar-me.

Vais morrer. Sabes porquê?

O teu pai foi demasiado grande,

As suas virtudes serão a causa da tua morte.

Mentiram-me, o ano passado,

Quando me disseram que trazia no ventre

O futuro rei da Ásia

Das belas colheitas.

Dei à luz uma pobre, frágil vítima,

E dei aos gregos um mártir.

Tu choras! Agarras-te ao meu vestido

Com os dedinhos crispados,

será que adivinhas a tua sorte?

(bruscamente)

Sai da terra, Heitor, retoma a tua lança.

Massacra-os. Salva o teu filho!

(Pausa)

Ele não virá

Está morto.

Estamos sozinhos

Os dois, meu tesouro;

Não sou suficientemente forte

E não poderei resistir-lhes muito tempo.

Vão pegar em ti,

Vão lançar-te do alto das muralhas,

De cabeça para baixo. (Um grito) Ah!

(Pausa)

Corpo, corpo querido,

Tu ainda vives e cheiras tão bem!

(Beija-o)

Tinha orgulho ao dar-te o meu leite

Se eu soubesse, ter-te-ia sufocado

Com as minhas mãos

Enquanto te beijava

Beija-me,

Aperta-me muito,

Cola a tua boca à minha.

(Levanta-se)



Homens da Europa,

Vós desprezais a África e a Ásia

E chamais-nos bárbaros, creio.

Mas quando a gloríola e a cupidez

Vos lançam contra nós,

Pilhais, torturais e massacrais.

Quem são os bárbaros?

E vós Gregos, tão orgulhosos

Da vossa humanidade,

Onde estais?

Eu vos digo: nem um só de nós

Ousaria fazer a uma mãe

O que me fazeis a mim

Com a calma da boa consciência

(violentamente)

Bárbaros! Bárbaros!

Matais o meu filho por causa de uma prostituta.

( os soldados arrancam-lhe o filho)

Que vergonha para mim: não ter forças para

Proteger o meu filho

Maldito sejam os filhos de Ulisses.



Taltíbio (para os soldados):

- Levai-o. Vou ter convosco às muralhas.

(para si mesmo)

Missão verdadeiramente desagradável!

Bem ma podiam ter poupado.

Eu tenho coração.

Enfim é a guerra! (…)



Eurípedes, As Troianas